Estrangeiros enfrentam doenças, transtornos mentais e drogas,em SP
Em dois meses, 16 foram atendidos na região da Cracolândia.
Secretaria de Saúde tem programa específico para eles no centro.
A enfermeira T.D. e a advogada H.U., ambas congolesas, receberam atendimento na UBS da Sé (Foto: Emílio Sant´Anna/G1)
A cada noite, quando a troca de guarda era feita em uma penitenciária de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, a enfermeira T. D, de 25 anos, sabia o que estava prestes a começar. Foram dez meses de prisão e sucessivos estupros que resultaram em problemas mentais, uma gestação não desejada e um aborto dentro da própria cela.
T.D., foi presa por trabalhar no escritório político de um deputado cassado pelo governo local. Internada em uma ala para presidiários num hospital de Kinshasa, escapou graças a ajuda de uma faxineira que de tempos em tempos entrava em seu quarto.
Hoje, dois meses após chegar ao Brasil, ela é uma entre os 85 estrangeiros atendidos na Unidade Básica de Saúde (UBS) da Sé, no Centro de São Paulo, entre junho de 2008 e setembro de 2009. Em meio a outros congoleses, nigerianos, senegaleses, sulafricanos, peruanos e bolivianos, recebe do Sistema Único de Saúde (SUS), o mesmo tratamento dispensado a qualquer brasileiro.
Eles se concentram na região central da cidade, e entre os problemas mais recorrentes estão a hipertensão, diabetes, tuberculose e doenças mentais. A secretaria registra também o atendimento psicossocial de imigrante viciados na região da Cracolândia. Na UBS da Luz, 16 imigrantes foram atendidos entre julho e setembro deste ano. "Não é um número grande, mas eles existem e fazemos uma abordagem especial nesses casos", diz a coordenadora de saúde da região centro-oeste, Márcia Gadargi.
"Lá, se você não tem dinheiro para ser atendido vai morrer", conta a enfermeira que não fala português e não teria acesso ao sistema de saúde brasileiro se não fosse o trabalho de outro congolês.
A.K, de 35 anos, é um dos sete agentes comunitários de saúde em São Paulo responsáveis pelo atendimento de imigrantes estrangeiros que chegam principalmente à Casa do Migrante, na região central da cidade. "São pessoas que têm dificuldade em relação ao nosso idioma e ficam receosas com qualquer aproximação", diz Márcia. "Normalmente eles associam a situação de ilegalidade com o temor da polícia."
O trabalho dos agentes comunitários faz parte da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e A.K. foi um dos escolhidos para fazer parte do programa por falar português com fluência, após dois anos de adaptação no país.
Extrovertido, A.K. nem sempre trabalhou na área de saúde. Formado em engenharia elétrica, ainda procura uma forma de continuar seus estudos no Brasil. Nada parece ser problema para ele, a não ser falar sobre os motivos que o trouxeram para o Brasil. À pergunta do G1, segue um sorriso nervoso e a resposta: "Vamos falar de outra coisa", diz. "Podemos falar de qualquer assunto sobre o Brasil."
Aos poucos, porém, revela ter deixado mulher e dois filhos do outro lado do Atlântico e um passado de atividades políticas que o levaram à prisão. Prefere dizer apenas que as lembranças lhe causam "problemas sérios até hoje."
Condições de trabalho
Assim como ele, a advogada H. U., de 36 anos, espera receber a condição de refugiada política. Antes de ser presa, no entanto, conseguiu embarcar para a Europa e de lá para o Brasil. Entende pouco do português e mesmo se entendesse mais, pouco falaria.
Sua família se espalhou por países da África e da Europa após o exercíto congolês invadir sua casa e prender seus irmãos. A.K conta que quando ela chegou ao Brasil, há pouco mais de uma ano "estava louca", diz. "As doenças mentais são resultado não só das experiências de vida dessas pessoas , mas também das condições de trabalho a que estão expostas hoje", diz Márcia.
Os resultados da Unidade Básica de Saúde do Brás tornam a afirmação da
coordenadora de saúde mais clara. Dos 49 casos de tuberculose registrados neste ano no local, 36 são de pacientes bolivianos.
Entre todos os atendimentos do local, 50% são de bolivianos. "Muitas famílias costumam morar no mesmo apartamento e trabalham principalmente em oficinas de costura com portas e janelas fechadas", explica a diretora da UBS do Brás, Célia Coelho Ribeiro.
Ao lado da agente de saúde Rosana Batista, a boliviana Maritza Calcina Jove terá seu terceiro filho no Brasil (Foto: Emílio Sant´Anna/G1)
Todos os dias os agentes comunitários de saúde da UBS do Brás percorrem as oficinas de costura do bairro em busca de casos. Sempre que um caso positivo é detectado em um desses lugares, todos os outros funcionários são examinados. Normalmente, os testes costumam comprovar a precariedade das condições de trabalho, com novas confirmações da doença, explica Célia.
Na terça-feira, quando a reportagem do G1 esteve na UBS do Brás, a agente comunitária de Saúde Rosana Bastista, voltava de uma dessas visitas. "Fui a um galpão em que um pessoa está doente e outras 30 estão com sintomas", diz.
Tratamento é atração para o país
Uma das formas de atrair os imigrantes para o Brasil, diz a diretora, é a própria oferta de tratamento médico gratuito. "Os ‘coiotes’ que fazem esse trabalho de trazer os imigrantes para cá costumam atraí-los mostrando que terão não só trabalho, mas também tratamento gratuito para a tuberculose e pré-natal", afirma Célia.
Essa foi uma das promessas que Maritza Calcina Jove, de 26 anos, ouviu antes de deixar La Paz e vir para São Paulo, em 2003. Seus dois filhos nasceram em território brasileiro e o terceiro está a caminho. "O atendimento na Bolívia não é caro, mas é demorado e difícil de conseguir", afirma.
Márcia Gadargi explica que por ter acesso irrestrito, o sistema de saúde brasileiro, um dos maiores do mundo, não faz distinção entre os pacientes. "Quando eles chegam nosso primeiro olhar é em relação à saúde. Depois são encaminhados para os assistentes sociais", afirma. "Todos são atendidos como se fossem brasileiros."fonte:g1.globo.com/Noticias/
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